Em 1951 ou 1952, ele não sabe dizer ao certo. Quando era apenas um garoto recém-ingressado no curso ginasial, como era chamado naquela época a segunda parte do Ensino Fundamental, ele subiu ao palco para fazer a sua primeira apresentação artística em uma festividade escolar do então chamado Colégio Marista.
O destino quis que, mais de 70 anos depois, no mesmo espaço que atualmente abriga a Reitoria do Instituto Federal da Bahia (IFBA), o ex-garoto estudante e hoje um homem preto de barbas brancas octogenário, subisse no mesmo palco, depois de décadas subindo em palcos do Brasil e do mundo, para ser condecorado com o título de Doutor Honoris Causa pela instituição de ensino. Esse homem é Gilberto Gil, que chegou ao local acompanhado por familiares e por integrantes dos Filhos de Ghandy, que cantavam a composição feita por ele em homenagem à agremiação.
A música, que fala que todos os orixás vieram ver o bloco, neste dia teve um significado diferente, servia para saudar a entrada do que os entrevistados do Portal A TARDE chamaram de “orixá vivo”.
Cantor, compositor, ex-ministro da Cultura, marido, pai, avô, bisavô, imortal da Academia Brasileira de Letras, é de se pensar que Gil já viveu tudo aquilo que as pessoas se imaginam fazendo e realizando na vida.
Contudo, quem pode observar ele de perto na tarde desta terça-feira, 14, no auditório da Reitoria do IFBA, viu um homem emocionado, que alternava risos e choros com as lembranças das pessoas que o homenageavam traziam da sua juventude, das suas composições, da sua fase como político e de como ele impactou com o seu trabalho a vida de cada uma delas, momentos antes de receber o primeiro título Honoris Causa concedido pela instituição de ensino.
Quando foi chamado para falar sobre a honraria dada a ele, Gil foi breve. Falou que era um reconhecimento do seu trabalho como “operário da música” que, com o resultado do seu esforço, tenta vencer o tempo servindo de escada e contribuindo para as gerações futuras. “Eu aqui hoje não sou mais do que um mero pretexto para reunir as pessoas para alimentar o fogo do futuro com a fogueira do passado”.
Ao final da solenidade, ele pediu a palavra mais uma vez, quando, às lágrimas, lembrou que aquele palco onde estava tinha sido o primeiro no qual fez sua primeira apresentação musical, cantando uma música em homenagem a São Jorge.
Minutos antes, a secretária estadual de Promoção da Igualdade Racial e dos Povos e Comunidades Tradicionais (Sepromi), que participou do evento representando o governador Jerônimo Rodrigues (PT), conversou com o Portal A TARDE e destacou a importância da homenagem ao artista baiano.
“Gil é tudo, né? Gil é imenso, é um oceano inteiro de criatividade, de sensibilidade, de humanidade, de fazer e revolucionar cultura, de se apresentar. Transgressor inédito nos anos 60, de se manter assim, de acolher novas gerações e está muito alinhado a esse momento que o Brasil está vivendo, de renascimento do Ministério da Cultura, de centralidade das políticas educacionais, culturais, de centralidade no ser humano, que precisa ter condições de vida com dignidade”, disse a secretária.
O presidente da Fundação da Biblioteca Nacional, Marco Luchessi, que esteve no evento representando o Ministério da Cultura, e falou da presença que o soteropolitano tem na sua vida. “Gil era o meu companheiro de brinquedo quando eu era pequeno. Gil me ajudou a pensar uma possível transformação desse país, mudança nas quais ele já pensava e as quais ele já realizou. Tivemos e temos o privilégio de conviver com as políticas pensadas por ele no MinC”, apontou.
A reitora do IFBA, professora Luiza Mota, em seu discurso, logo após entregar o diploma ao homenageado, citou versos de músicas do artista baiano para falar do orgulho que estava sentindo por Gil ter sido o primeiro escolhido como Doutor Honoris Causa.
“O Brasil, o mundo, as galáxias do universo vieram nos ver. Quanta gente veio ver o doutor Gilberto Passos Gil Moreira, o mais doce, o mais bárbaro, o mais amado, o mais novo doutor do Instituto Federal da Bahia”, declarou e, em seguida, se dirigiu à comunidade do instituto. “Minha comunidade, aceite esse título como uma reverência aos mais velhos e o encorajamento na permanência dos nosso mais novos”.