Sentado em um café enquanto aguardo pacientemente a chegada de um amigo, observo espantado que em todas as mesas, pessoas estão como zumbis paralisadas teclando em seus celulares. Me pergunto: em que estamos nos transformando?
Ainda criança costumava ir de Periperi até o bairro da Calçada de trem para levar o almoço de meu pai em seu trabalho. Me lembro que durante o trajeto ficava observando as casas que passavam lentamente pela janela do vagão, o qual eu ocupava, vendo um pouco da vida daquelas famílias. Avistava mesas postas para as refeições, crianças tomando banho em tunéis, casais abraçados nos portões, muita gente conversando nas sala, a galerinha “temperando” linha de arraias e pipas nos passeios, jogando fura pé, gude e outras brincadeiras encantadoras da época. Quando chegava em meu destino via uma vida muito mais corrida. Pessoas apressadas entravam e saíam da estação, atravessavam as faixas de pedestres, carros buzinavam nas pistas e centenas de pessoas cruzavam pelas calçadas. Eu achava aquilo tudo fantástico. A cidade pulsava o progresso. Quando retornava para casa, voltava a admirar a bela e inesquecível paisagem do caminho e o cotidiano daquelas pessoas de aparência simples e feliz.
Bem, retomando a visão daquela imagem patética, onde seres humanos são dominados pela própria tecnologia criada para prender atenção durante todo o tempo, transformando pessoas em mortos vivos, roubando-lhes tudo a sua volta e produzindo um alienado do sistema tecnológico, vejo um casal que acabara de chegar e pede ligeiramente dois sucos de laranja com gelo, sacam os seus ‘androides’ dos bolsos e entram em uma espécie de transe por um longo tempo. Observo curioso que o gelo derreteu aguando o suco e pelos olhares de espanto, feito pelas “antas”, percebi que sequer entenderam o motivo da alteração do sabor. Pude observar uma moça ao lado, tateando insistentemente a sua mesa na tentativa vexatória de pegar o pão de queijo no prato, como cega fosse, sem retirar os olhos da tela do aparelho, a pobre “lerda” lutou por um bom tempo até conseguir. Essa deu até pena! Vi também um rapaz deixar derramar o seu café sobre a mesa sem perceber o ocorrido.
Em que estamos nos transformando?
Dados estatísticos nos assustam quando vemos o grande número de pessoas que são vergonhosamente atropeladas devido ao estado de transe que ficam ao caminhar nas ruas com os olhos voltados ao celular. O número de acidentes de trânsito é assustador por conta desse comportamento ridículo. Consultórios de psicólogos lotam em busca de solução para diversos distúrbios que afetam crianças vitimadas por seus joguinhos sem regras, velozes, estressantes, violentos e danosos com aparência inofensiva. Casais agora enfrentam novos desafios que vão da falta de diálogo por conta do tempo mergulhado na rede social e até a novíssima traição virtual.
O desinteresse pela escola, fruto da “modinha” do acesso rápido e de tudo a um click do que se quer. A vida escolar demora muito mais e com isso vem o desinteresse crescente pela leitura de livros de verdade, revistas interessantes, pela cultura, pela nossa história, até mesmo por assuntos ligados a espiritualidade e convívio familiar.
Não estamos dando a menor importância para esse fenômeno lamentável. Para onde estamos indo?
A minha intenção não é negar, nem me opor ao avanço tecnológico. Sei muito bem que essas ferramentas importantíssimas que nos fazem avançar nas curas de doenças, facilitam na produção de alimentos, otimizam os transportes e outros mais, sempre serão facilitadores importantes para o progresso. Colocarão o mundo em nossas mãos. Porém, não se pode deixar de observar que uma geração inteira vem sofrendo de uma “dependência” psicológica, ao ponto de se ausentar da realidade física em detrimento da realidade virtual. Pessoas estão deixando de observar a sua volta, de sentir os prazeres da vida, de curtir momentos importantes para a sua formação pessoal em em troca do mundo virtual. Isso é um risco para a humanidade!
Testemunhamos calados uma pobre geração influenciada e liderada por mentes inteligentes e bilionárias que estudam a todo o instante não somente os avanços importantes e sim a forma de alienar ainda mais os incautos e de continuarem enriquecendo cada vez mais. Quando iremos despertar as nossas consciências para entender que tecnologia sim e alienação não? Quando iremos parar para discutir seriamente o que todos nós estamos observando em nossas casas espantados e inertes?Como gado em marcha, caminhamos escravizados para um mundo paralelo, viciante e sombrio.
Hora de despertar e debater o tema!!!
Por Wanete Carvalho
Licenciado em História
Gestor Público
Educador Ambiental
Outubro de 2019